domingo, 25 de abril de 2010

A Estátua




Ele parou de fronte a imaculada e encardida estátua da madre V... e não conseguiu impedir que umas lágrimas antigas se tornassem mais uma vez, a revelação mais absurda do que há tempos tentava esconder de si mesmo.
Ele ainda amava aquela menina!
Mas como um raio de escultura de uma santa velha, praticamente abandonada num canto da praça de um colégio de padres, poderia afetar tanto um jovial coração como o de Pedro?

O colégio dos padres aparentemente era abandonado como o seu quarto. O olhar estático de tristeza da velha da estátua o remetia a sua avó, narrando-lhe histórias do século retrasado. A praça num fedor terrível de coco de pombas. Tudo isso representava um espetáculo sentimental para o rapaz que, juntando-se ao fim de tarde, sintetizavam a pura personificação da nostalgia.

Podia fingir, podia passar por alto desses seus pensamentos cotidianos, mas essa era a verdade. A sempre chata e dura verdade. Ele podia fingir-se mais religioso, chutar tudo e ser um incrédulo, mas eis que por vezes inconclusas, ele se esbarrava com esta verdade fugida que tem ares de santidade, um olhar provocante, e que circula em seu caminhar em vestes negras, com um manto a esconder os seus traços...

Ele ainda amava aquela menina!

Realmente o coração é um ninho de mistérios, queria esquecer-se. Não podia, ela sempre estava por todas as partes. Cirandava perto ou longe, com um terço numa mão e com três quartos do coração dele na outra. Pobre rapaz! Se desencorajado e triste buscasse paz, fazia uma prece, mas todas elas o levavam a pensar mais ainda, afinal, a moça repetia essas palavras diariamente, e bem Pedro sabia disso e sentia:
Não há saída, que venha a noite, que sumam os dias.

Essa tarde que se despedia era uma vadia. Para ele, a noite que chegava era uma ladra. E assim Pedro pensava: O amor que se vai é aquele que não volta. Não importa os tempos, as estrelas, as badaladas do sino, quem vem ou quem vai; não volta.

Ele via nos olhos da madre V... sem querer, os olhos de Fabiana, aquela freirinha linda de olhos verdes, por quem se apaixonara há quatro anos atrás em Belo Horizonte e que até hoje, não conseguiu esquecer.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Chuva




O poeta sentiu sono e foi dormir.
Deixou pra depois umas palavras
e aventurou-se num sonho.

Uma chuvinha caía e levou-o a tempos antigos.
Uma chuvinha que o levou nos sonhos dos seus dias...
Uns sonhos sem fim, como uma chuvinha que molha
os pensamentos mais afáveis para uma memória.

Ficaram suas palavras numa calçada.
Fugiram pela janela na noite.
Esqueceu-se, e elas foram embora,
em boa hora!

Pois quais palavras de um verdadeiro poeta,
ainda que durma, por aí nas ruas, não se demoram?

Eu Estarei




Volta pra mim amor da minha vida.
Porque mesmo sem estar aqui você ficou.
Configurado em meus sonhos e pensamentos,
em todos os momentos, nas palavras de amor.

Volta pra mim amor amado.
Volta pra minha vida ter sentido.
Sinto que esse lugar me é fingido,
sinto que o meu lugar é do Seu lado.

Mesmo que por vezes tens retornado.
E visitado minha casa chegando sem chegar.
Volta e cumpra Sua promessa de amor,
Pra nunca mais a despedida nos fazer chorar.

Mesmo que aos meus olhos o tempo se intrometer.
Eu estarei ao Teu lado eternamente,
eu serei Teu filho amado no viver.
Estou aqui a Te esperar, e sei pra mim, em breve voltarás.

Nesta Noite




Hoje, nesta noite vigiei,
foi tão bonito ver você dormindo.
Hoje, quando do sono despertar,
quando você se levantar
saiba que, coração de criança,
preparei para bater no seu peito.

Hoje, já fiz a luz do sol brilhar,
é por você que ele está aceso.
Hoje, que tenhas luz no teu olhar,
e sem palavras confortar...
Saiba que, minha alegria nesse gesto,
é no seu olhar, eu poder morar...

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Saudade de um Anjo




Ele não é triste, apenas introspectivo.
E olha o profundo das coisas, das horas.
E contempla num vácuo seu indizível
doce amor, devagar em demoras...

E olha por instantes incabíveis nos ponteiros,
no espelho da alma seus sonhos angelicais.
Suas leves penas ao sentir os ventos passageiros,
o deixa nuvem e sonho em cordas e tons a mais...

Desloca-se, voa, desaparece.
Em caminhos que não deixam suas pegadas,
sente forte e pulsa, na vastidão, de quase tudo se esquece.
Vendo perto e longe os olhos da amada.

Antecedência




O riso ou choro primeiro.
De coração desejoso estar,
quem há de saber é o travesseiro
que na noite os viu chegar...

Noite partida em duas.
Minha parte se perdeu na tua.
Quem há de saber é o poste,
que me viu chegar da rua...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Aula de Português

Meu amigo;
o que me traz por um bilhete em suas mãos
é a razão que me leva aos braços do seu coração...
É que aprendi que “aõs” no final da frase, sempre rimarão, viu?
Mas saibas que eu não sou uma poeta ou poetisa,
como chamam as mulheres loucas.
Só resolvi improvisar uma palavra meio torta para delinear
a retilínea conduta formal e intransigente de meu coração.
Nestas linhas, ela não passa de uma escrava triste que
não vê a hora de chegar o dia em que estará livre de seu senhor,
pra cair nos braços da liberdade.
Lembra-se daquela noite em que você me mandou um beijo,
enquanto cortava o outro lado da praça?
Pois é, sorte que meu pai estava olhando pro outro lado,
senão ele me matava, e olha que nem gritar comigo ele já o fez...
Mas se por um acaso, um acaso como esse nos colocar próximos de novo,
sou eu quem vou te matar, se não me mandar outra vez...
Ah...e “amigo”, porque também aprendi que no trovadorismo, as mulheres
quando não se cabiam de amor, chamavam assim os seus amados.
E encerro assim por ti, minha cantiga...
Vem me ver, me encontra, antes que eu vá atrás de você...
Aí o risco é dobrado, que importa? Seria isso uma figura de linguagem,
ou uma linguagem de figura, aquela que fica atormentando meu
casto coração de menina.
Deixa. Só uma coisa, eu te espero.
Vê se não demora!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Modéstia




Escrevo assim,
cuido de mim
em versos...
A biblioteca municipal foi interditada;
sem impressos...
Porões de letras desativadas,
prateleiras vazias, confusão.
Rastros de folhas amareladas de velhas.
Sem as ler, pelas janelas,
culto e refinado subsiste o meu coração...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Comentários Sobre Mim ao Verem por Ti o Meu Amor




“-Olhe bem:
Não fales de amor perto desse coitado.
Olha a cara dele,
olha que judiação...
Está perdido de amor, louco, fraco...
Não se pode de paixão...
Casa, casa,
porque você está ardendo em brasa!
Ele joga confete no ar e entra embaixo,
para que caiam sobre ele”...

E vem a resposta que ninguém entende:
É um doce de festa delicioso, é uma convulsão.
É isso tudo mesmo e o contrário,
no amor desse coração.

Retórica




De que morrem as tartarugas?
Do que vivem os poetas?
Por onde andou a estrada certa?
Por que nascem as verrugas?

Estas não são novas,
mas até na velhice nasce alguma coisa...
Até na lágrima que escorre,
o sal tempera sua dor...

Jovens dias de gente grande,
velhos, nas memórias se levam...
Que coisa estranha leva a vida,
depois às tristes dúvidas se entregam?

Quero é a vida, a dor que não fica,
a ruga que virá,
a bendita estrada certa,
o poema que hoje o tempo escreverá.

Analogia Absurda

Entre as comparações
sensatas e insensatas,
atraentes e insanas,
abismais e contemporâneas,
bonitas e tristes,
de quem odeia, de quem ama...
Amor com dor é quase que uma ilha solitária,
onde nela descobriu-se um novo fruto,
que exprimido seu suco,
misteriosamente extraiu-se dele, lágrimas...
Não é maduro, é um machucado,
o homem nela desfeito, pela foice martirizado...
Mártir por escolha, foice aveludada,
Não, não é...
Mas ainda, a rima celeste e suas abóbadas eternizadas...

Um Sonho (Um Outro)

Não posso dizer o que aconteceu.
Mas posso dizer aquilo que senti.
Não posso explicar como amanheceu,
só posso falar do sono que dormi...

Foi curto, foi sonho, foi longo.
Depois da vasta noite em espera,
foi real, foi novo, foi como se fosse...
A realidade nele tornou-se...

Raios, silêncio, quimera...
Acordado, noite incendiada,
coração acelerado,
minha voz por sua acalmada.
Foi real, foi um sonho...